segunda-feira, 31 de agosto de 2009

=)

"Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço,
ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos,
todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar."

Fernando Pessoa

Uma Colagem em Segredos - Tico Santa Cruz

"Talvez você queira que eu mude porque te angustia a minha angústia e a verdade pode ser que por me amar, esse meu sofrimento doa em ti primeiro. E eu entendo quando me pede calma, pois talvez seja a calma que lhe falta para perceber que aquele mundo inocente que a gente conheceu quando criança, aquele mundo inocente já não existe mais, desapareceu quando passamos a desejar o que não era nosso.
Talvez por conveniência eu possa ter te dito algumas mentiras e quando me restou apenas a verdade, inventei um novo motivo para acreditar em mim mesmo e te ofertar segurança para que pudesses fechar os olhos e não ter nenhum pesadelo.
Talvez você possa ter percebido mas hesitado em esmiuçar minhas palavras para não encontrar aquele outro de mim que você odeia tanto. Pois esse amor que nos orgulhamos de ostentar é antes de mais nada o amor que temos por nós mesmos. O seu altruísmo guarda para teus filhos e quiçá para seus pais. Não é que você não goste de me ver com problemas, é que talvez estes problemas possam abalar tuas estruturas mais íntimas e aquela força bruta que surge quando ergo meu peito talvez seja apenas uma fantasia que vesti para me proteger no meio de tanta fuga. Ver as pessoas fugindo pode me soar um quê de solidariedade e ao identificar meu medo no medo delas, talvez me esconda atrás de significados que façam pouco sentido para quem me observa de longe.
Talvez você preferisse que eu trilhasse o caminho do conforto, pois as facilidades quase sempre nos passam a sensação de que estamos no caminho certo e quem sabe não enxergue em mim um inimigo de mim mesmo que vive sabotando as nossas chances de felicidade.
Talvez quando me olhastes de longe, tenha lhe parecido bem mais belo e inteligente e é possível que ao chegar mais perto tenha percebido que sou tão comum quanto você.Acho que nós seguimos juntos, porque há uma atração entre o que você deseja que eu faça e o que lhe ofereço e essa quase sempre frustração de alguma forma alimenta o seu ego sedento por "sins" e cobertos de razão.
Talvez já não me leve a sério e quando tento ser divertido ou engraçado, rio de mim somente por educação, talvez esteja agora exagerando e de fato tu goste disso bem mais do que sou capaz de reconhecer.Posso ter sido um grande idiota por diversas oportunidades e posso ter errado no intuito de lhe agradar, posso também ter exagerado quando já era suficiente e posso ter sido breve quando queria de mim a imensidão. Sem dúvida acertei algumas vezes e por quantas outras não fui melhor do que pensou que poderia ser, contudo quando estive presente é provável que nem estivesse aqui e quando andei por outros caminhos a saudade tenha batido em mim com tanta força que fui incapaz de admitir.
Talvez possa amadurecer algum dia e rir de tudo isso, ou talvez possa morrer sem perceber quem realmente fui. Mas deixo aqui um presente bordado em digitais das minhas mãos com o respeito que sempre tive por ti e que teimei em demonstrar que não.Pode ser que tenha escrito isso tudo ao reconhecer que estavas certa ou quem sabe esteja tudo tão confuso que eu só precise chorar um pouco. A luz que agora me cega pode banhar essa escuridão e o tiro que o alvo acerta pode ser prova do erro quando for lavar as mãos. Nem tudo que se colore em drama tem nuances reais de sofrimento, talvez meu amigo, possa estar feliz por dentro. Ou talvez você tenha sido superior e relido meus pensamentos antes mesmo de serem pensados, talvez seja seu inimigo e também seja seu aliado. O fato é que além disso ainda existe um bocado e vou guardar em segredo para depois lhe entregar embrulhado. Quando receber no futuro esse possível presente, que se dane tudo e viva alegremente."
Tico Sta Cruz

terça-feira, 30 de junho de 2009

Garfield


Deixa ser.

"De repente tudo muda. Aquelas pessoas que achávamos serem nossas amigas não nos ligam mais, não mandam cartas, não enviam aqueles e-mails chatos com figurinhas chatas e musiquinhas irritantes. As pessoas somem. Simplesmente somem. E eu que achava ter muitos amigos, vejo que na minha solidão só há lugar pra mim. Ninguém entende os meus delírios melhor que eu. Ninguém sabe do meu mundo melhor que eu. As pessoas tornaram-se descartáveis.
Às vezes, as pessoas se resumem a uns dois ou três copos de cerveja, mas cerveja bem gelada. Porque assim que a bebida esquenta, elas somem. Simplesmente somem. E assim é a vida."


Let it be..

Carne, osso, alma e sentimento.
Tudo isso ao mesmo tempo!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Caio Fernando Abreu. Adoro =)

"Vai passar,tu sabes que vai passar.Talvez não amanhã,mas dentro de uma semana, um mês ou dois,quem sabe?O verão está aí,haverá sol quase todos os dias,e sempre resta essa coisa chamada¨impulso vital¨.Pois esse impulso ás vezes cruel,porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo,te empurrará quem sabe para o sol,para o mar,para uma nova estrada qualquer e,de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como ¨estou contente outra vez¨.

"E ler, ler é alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente. Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma. Pode sair até uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho - e posso estar enganado - que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente."


"É uma coisa que me dói muito, esses seus silêncios. Sei - claro - que você deve ter problemas bastante sérios, mas uma carta de vez em quando não custa nada e, às vezes - quem sabe? Talvez a gente pudesse ajudar. Penso, com mágoa, que o relacionamento da gente sempre foi unilateral, sei lá, não quero ser injusto nem nada - apenas me ferem muito esses teus silêncios. A sensação que tenho é que você simplesmente não está muito afim - e cada vez que tomo a iniciativa de escrever é sempre meio tolhido, sem naturalidade, com medo de incomodar, de ser indesejável. Não é uma coisa agradável. Seja como for, continuo gostando muito de você - da mesma forma -, você está quase sempre perto de mim, quase sempre presente em memórias, lembranças, estórias que conto às vezes, saudade. E se é verdade que o tempo não volta, também deveria ser verdade que os amigos não se perdem."


(...) "seria tão bom se pudéssemos nos relacionar sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada, mas infelizmente, insistirás, infelizmente nós,a gente, as pessoas, têm, temos - emoções. Meditarias: as pessoas falam coisas,e por trás do que falam há o que sentem, e por trás do que sentem há o que sãoe nem sempre se mostra. Há os níveis não formulados, camadas imperceptíveis,fantasias que nem sempre controlamos, expectativas que quase nunca se cumpreme sobretudo, como dizias, emoções. (...), mas já não sou capaz de me calar, talvez dirás então, descontrolado e um pouco mais dramático, porque meu silêncio já nãoé uma omissão, mas uma mentira".

Frases de Carlos Drummond

"Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. "

"Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às moda e compromissos. "

"Minha poesia é cheia de imperfeições. Se eu fosse crítico, apontaria muitos defeitos. Não vou apontar. Deixo para os outros. Minha obra é pública."

"O problema não é inventar. É ser inventado hora após hora e nunca ficar pronta nossa edição convincente."

"Eu acredito que a poesia tenha sido uma vocação, embora não tenha sido uma vocação desenvolvida conscientemente ou intencionalmente. Minha motivação foi esta: tentar resolver, através de versos, problemas existenciais internos. São problemas de angústia, incompreensão e inadaptação ao mundo".

"Não tenho a menor pretensão de ser eterno. Pelo contrário: tenho a impressão de que daqui a vinte anos eu já estarei no Cemitério de São João Baptista. Ninguém vai falar de mim, graças a Deus. O que eu quero é paz".

Poesia Falando de Poesia

Procura da Poesia - Carlos Drummond de Andrade

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
Não aquece nem ilumina.

As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas,
Não é música ouvida de passagem: rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues.
Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.

Espera que cada um se realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema.
Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara: ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.